OPINIÃO
Cada metro quadrado de solo permeável devolve 1,6 mil litros por ano ao subsolo
Fernando Luiz Lara - Arquiteto, professor da Universidade do Texas
Todo verão, a mesma coisa: chuva, inundações, desmoronamentos,
desabrigados, mortes. Neste, que já entra no segundo mês, já foram
mais de uma centena de mortos e milhares de desabrigados. Bilhões de
reais, dinheiro público e privado, serão necessários para corrigir os
danos materiais. Os números assustam, mas, na área chuvosa, que vai do
Sul do México ao Norte da Argentina, temos o equivalente a um furacão
Katrina todos os anos. Mais de mil mortos e mais de 100 mil
desabrigados, todo ano. O fato é que por 500 anos lutamos contra a
estação chuvosa na América Latina. A causa?
Importamos um padrão de
urbanização dos nossos colonizadores ibéricos que é inviável no
Brasil, onde a chuva anual varia de 1.000mm a 1.600mm.
Em áreas populosas e urbanizadas, como o Sudeste brasileiro (80 milhões de
habitantes), a chuva se concentra no verão, período em que chega a
cair 300mm por mês e não é incomum 100mm em um único dia.
Na região de
Angra dos Reis, litoral fluminense, choveu mais de 400mm nos dois
últimos dias de dezembro e no primeiro dia de janeiro. No entanto,
nosso modelo de construção vem de lugares onde chove muito menos, e de
forma regular: 400mm por ano em Madri; 500mm por ano em Lisboa.
Aqueles terraços pavimentados de Sevilha ou de Lisboa são lindos e
adequados para 50mm por mês, nunca para um lugar onde chove esta cota
por hora.
As conversas sobre o tema sempre passam por aquilo que alguém deveria
fazer. E esse alguém é sempre definido como o outro: o poder público,
as autoridades, os da rua de cima. A expansão urbana desenfreada, a
produção agrícola em larga escala: é importante perceber que a questão
das enchentes urbanas passa tanto pelo poder público, pelas diretrizes
de urbanização e gestão das águas, quanto por cada um de nós, em
nossos pedacinhos de terra na cidade. O manejo da água da chuva é
público, mas a absorção residencial é um problema doméstico, privado.
Com todos os quintais impermeabilizados, a municipalidade passa a
controlar 100% do volume de água, mas só dispõe de 25% da área da
cidade para tanto. Cada vez que chove 100mm (e isso tem ocorrido
frequentemente), um quarteirão médio (100m x 100m, ou 1 hectare)
recebe 100 mil litros de água. Se fôssemos segurar todo esse volume
num piscinão, seria necessário um lote de 12mx30m, com profundidade de
três metros – isso para cada quarteirão.
Para resolvermos parte do problema das enchentes urbanas, temos que
entender que a questão da permeabilidade do solo é problema de todos;
que precisamos promover uma mudança cultural:
1) na forma como o poder
público trata o problema; 2) na forma como as pessoas se sentem
envolvidas nele.
Em São Paulo, um volume gigantesco de água corre
rapidamente para os vales dos rios Tietê e Pinheiros cada vez que
chove forte. Em Belo Horizonte, os fundos de vale são inundados várias
vezes ao ano, como ocorreu com a Avenida Tereza Cristina na noite do
réveillon de 2008. Em Uberlândia, no Triângulo, a Avenida Rondon
Pacheco vira um rio toda vez que chove mais de 50mm. Se parte dessa
água tivesse sido absorvida ou pelo menos retardada por canteiros e
áreas com pavimento permeável, a enchente poderia ter sido evitada.
Cada metro quadrado de solo permeável devolve 1,6 mil litros por ano
ao subsolo. Se cada lote urbano tivesse 10 metros quadrados de
canteiros rebaixados, 80% da água da chuva anual seria retida e
encharcaria devagar na terra, recarregando os lençóis freáticos e
ajudando a manter a cidade mais fresca no dia seguinte, com o processo
de evaporação.
Em junho de 2009, a Universidade de Michigan (EUA), em parceria com a
Prefeitura de Belo Horizonte e a PUC Minas, realizou um estudo para
analisar a permeabilidade do solo no vale da Vila Acaba Mundo,
constituída na bacia do córrego homônimo na capital mineira. Os
cálculos feitos revelam conclusões assustadoras. À medida que a
população de baixa renda vai melhorando de vida, as áreas
intersticiais vão sendo pavimentadas, como o é na cidade formal. Isso
ocorrendo, o volume de água que chega ao córrego será o dobro do atual
e ela vai descer na metade do tempo, exatamente como ocorre em todas
as avenidas localizadas em fundos de vale. Se não mudarmos essa
lógica, a tragédia do réveillon em Angra dos Reis vai ser considerada
pequena no futuro.
Sugestão: Trabalhar mais projetos ambientais em 2010.
O interessante, é que nessas catástrofes, a maioria dos atingidos, são os POBRES...
ResponderExcluirSerá então, que o culpado é o modelo de construção importado da Europa apenas?
É, mais uma questão para a educação. Projetos ambientais já!!! Tb concordo
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